O futebol é uma ciência em constante metamorfose. As suas directrizes são alteradas face às exigências do jogo e ao estilo futebolístico do seu habitat. Nuns países, as equipas adoptam estratégias de posse e domínio de sectores ao longo dos noventa minutos. Outras jogam nos espaços e em velocidade (Inglaterra é o melhor exemplo). Outros defendem. Defendem, defendem e defendem. Esperam pela abertura de um espaço, por mais ínfimo que seja e lançam de imediato o contra-ataque. É em Itália que isto se vê. O tão famoso 'catenaccio'.
Quando nos anos 60, o mítico Helenio Herrera adoptou este sistema tão eficaz como controverso no "seu" Inter de Milão, mal sabia que estava a definir um modelo de jogo que subsistiria na esfera do conhecimento do desporto-rei nas décadas vindouras. Mais tarde, Cesare Maldini e Giovanni Trapattoni seguiram os passos do argentino e aplicaram com sucesso este sistema, com base numa linha defensiva organizada ao máximo.
Mas nos últimos anos, com as polémicas criadas em redor de sistemas ultra-defensivos usados por equipas ditas "pequenas" e o "anti-jogo" que advém deste modelo abriram-se as portas às críticas assertivas e ao abandono gradual dos princípios de Herrera. A chegada de jogadores jovens e virtuosos ao campeonato italiano, provenientes do Brasil, Argentina e outros pontos onde o que impera é a anarquia táctica e o "joga bonito" veio anunciar o princípio do fim do 'catenaccio'. E este ano pode marcar o seu desfecho definitivo.
No defeso desta temporada aterrou em Roma um profeta do 'tiki-taka'. Luis Enrique, ex-treinador da equipa B do Barcelona trouxe consigo uma mão cheia de reforços, representativos de bom futebol: Bojan, Osvaldo, Lamela, Pjanic e Borini, os mais sonantes. O objectivo de Enrique era juntar o talento destes jovens com a experiência de "homens da casa", como Totti, De Rossi e Perrotta, para formar um esquadrão à imagem do Barcelona de Guardiola. Mas, ao implementar o estilo de "corte & costura" do Barça, o treinador da AS Roma não estaria somente a mudar a sua equipa. Estaria a implementar uma nova concepção do futebol em Itália.
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Luis Enrique chegou à Roma e mudou por completo a filosofia de jogo da equipa |
Neste momento, não há registos da marca do 'catenaccio' nos jogos do clube da capital. Há um 4x3x1x2 ofensivo, com um guarda-redes seguríssimo (Stekelenburg) e uma defesa rodada, com laterais de propensão atacante assumida (Rosi e José Ángel). Os centrais, Heinze e Juan fazem da experiência a principal arma. Mais à frente, surgem as chaves da equipa. A linha de três jogadores do meio-campo, que se adapta às exigências de cada partida. De Rossi aparece como elemento mais fixo, o vértice mais recuado do trio e um dos capitães de equipa. Como médios-interiores, Pjanic e Gago. Pjanic tem tendência a descair para o meio, em apoio aos homens mais avançados da equipa (em condições normais Totti ou Bojan a apoiar Osvaldo ou Borini) e Gago, ao estilo de uma formiga, a trabalhar nas compensações defensivas, mas em simultâneo a tirar partido da sua capacidade de sair a jogar (aspecto que melhorou com o novo treinador, já que Mourinho raramente o utilizava no Real Madrid, onde actuava como trinco puro). Esta linha de três funciona como um tridente de escudeiros que resguarda o talento argentino Erik Lamela, que sem preocupações defensivas pode explanar o seu talento e virtuosismo na hora de decidir o último passe.
A Roma não é a pioneira do 'tiki-taka', mas tornou-se na primeira equipa italiana a soltar-se definitivamente das amarras do modelo ultra-defensivo que o 'catenaccio' define. Como já aconteceu no passado, mais equipas seguiram os novos princípios apresentados e adivinha-se uma revolução nas profundezas da táctica do futebol moderno. A era do 'catenaccio' está no seu fim. Chegou o futebol apoiado e de toque curto. O 'tiki-taka' encontra o seu caminho em Itália.
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